Números quânticos

nnVersão para impressãon nn Notas de aula são propriedade intelectual. Sendo assim, qualquer uso, no todo ou em parte, deve ter a origem referenciada apropriadamente, após autorização de seu autor.n nn O texto a seguir corresponde à anotações parciais de aula. Não é um texto em forma final, completo e totalmente revisado. Nesse caso, esse texto não tem como objetivo substituir livros sobre o assunto. Assim, esse texto deve ser entendido apenas como um guia de estudo para o aluno acompanhar a disciplina. n
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nUma condição fundamental para ocorrer uma reação, seja através de uma colisão em laboratório, ou do decaimento de uma partícula observada, é não haver restrições para que ela ocorra. Mas será que somente isso é suficiente para que uma determinada reação seja possível? Por exemplo, será que a reação:n
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p\rightarrow e^+ + \pi^0
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npode ocorrer? E a reação?n
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\mu^- \rightarrow e^- + \gamma

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nEla também pode ocorrer? Sem dúvida nenhuma, olhando estes dois decaimentos acima, no centro de momentos, como a massa inicial é maior que a massa final, sem dúvida há energia interna que pode ser convertida em energia cinética das partículas no estado final. Portanto, cinematicamente, estas reações são possíveis. Acontece que, por exemplo, o hidrogênio e, consequentemente, o próton, está entre os elementos mais abundantes do Universo. Se o decaimento do próton fosse possível de ocorrer, dado o tempo de vida do Universo e sabendo que a maior parte dos prótons surgiram na nucleossíntese primordial, após o Big-Bang, hoje o Universo seria escasso deste elemento. De fato, análises de dados do experimento SuperKamiokande sugerem um limite inferior para a vida média do próton em 10^{34}\text{ anos}, inconcebivelmente maior que o tempo de vida do Universo.
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nPor conta disso, além da condição cinemática para uma reação ocorrer, outras condições devem estar presentes, viabilizando a reação. n
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nSabe-se, de estudos sistemáticos de fenômenos eletromagnéticos, tanto teóricos quanto experimentais, que a carga elétrica se conserva. Isto evidencia do porque, no hipotético decaimento do próton, acima, consideramos o seu decaimento em um pósitron e não em um elétron, já que o píon emitido deste decaimento é neutro. O mesmo do decaimento do múon negativo em elétron.
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nnDa mesma forma, a observação de diversas reações e decaimentos nota-se, por exemplo, que o número de férmios envolvidos é sempre conservado (isto é, contando um férmion como sendo positivo e um anti-férmion como negativo) enquanto o número de bárions e mésons não necessariamente se conservam. Isto sugere que a conservação do número de férmions constitui uma importante condição a ser respeitada em uma reação entre partículas.
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nContudo, a conservação do número de férmions não é suficiente para estabelecer se uma reação é possível ou não. Férmions podem se combinar em mésons e bárions ou serem apenas léptons. Isso poderia sugerir, por exemplo, que uma reação envolvendo uma série de bárions pudesse resultar em uma série de léptons, desde que conservasse o número total de férmions envolvidos. De fato, a situação é um pouco mais complexa que apenas conservar o número de férmions e, mesmo assim, estas regras de conservação podem ser violadas em algumas situações específicas. Vamos introduzir três números quânticos importantes e discutir um pouco o papel desses números quânticos na realização de reações entre partículas. São eles:n
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Número quântico bariônico

nBárions possuem número quântico bariônico B=+1 enquanto anti-bárions, B=-1. Léptons, mésons e demais partículas possuem B=0. A impossibilidade de observar experimentalmente, o decaimento do próton, que é o bárion mais leve conhecido, como no exemplo acima, sugere que o número bariônico deve ser conservado. Hoje em dia sabemos que bárions são formados por três quarks (ou três antiquarks) de valência. Deste modo, atribui-se que cada quark possui número bariônico B=1/3 e, antiquarks, B=-1/3. nn

Número quântico leptônico

nDa mesma forma que para bárions, podemos postular a existência de um número quântico leptônico, onde léptons recebem o número L=+1 enquanto anti-léptons, L=-1. Novamente, tudo que não é lépton possui L=0. Vamos tomar como exemplo a reação:n
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e^- + e^- \rightarrow \pi^- + \pi^-
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nQue conserva carga elétrica. Por outro lado, o número leptônico no lado esquerdo é L=+2 enquanto que, na direita, L=0. Se a energia cinética entre os elétrons for alta o suficiente a reação é cinematicamente possível. Porém, esta reação não foi observada, sugerindo uma lei de conservação para o número de léptons em uma reação. É por conta, também, da conservação do número quântico leptônico que não se observa o decaimento do próton acima. Sendo o número de léptons conservado, alguém poderia imaginar que a reação:n
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\mu^- \rightarrow e^- + \gamma
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nseria possível, já que conserva carga, número leptônico, número bariônico (B=0) e é cinemáticamente viável, já que a massa do múon é maior que a do elétron. Contudo, este decaimento não é observado, sugerindo que a conservação do número de léptons é mais complexa e que a simples introdução de um número leptônico não é suficiente para restringir as possíveis reações envolvendo estas partículas. Por outro lado, o decaimento do múon em:n
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\mu^- \rightarrow e^- + \bar{\nu}_e + \nu_\mu
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nÉ observado na natureza, bem como diversas outras reações deste tipo, como o decaimento do tau, \tau^- \rightarrow e^- + \bar{\nu}_e + \nu_\tau. Da mesma forma não se observa o decaimento do tau em elétron e fóton apenas. Reações deste tipo são indícios de que o número quântico leptônico é composto, na verdade, de três números leptônicos, um para cada tipo de lépton e seu respectivo neutrino. Então podemos dizer que o número quântico leptônico é dado por:n
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L=L_e + L_\mu + L_\tau
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nOnde L_e=1,L_\mu=0,L_\tau=0 para o elétron e seu neutrino e L_e=-1 para o pósitron e o antineutrino do elétron (e os números quânticos similares para o múon e o taú). Por conta desta separação, léptons podem ser naturalmente separados em três famílias distintas, com conservação de seus respectivos números leptônicos. Note que, independente da família, o número leptônico total será sempre L=\pm 1.
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Estranheza

nA descoberta de partículas estranhas em chuveiros de raios cósmicos, como vimos anteriormente, foi um divisor de águas na física de partículas. Antes disso, acreditava-se que o entendimento do mundo subatômico estava sob controle, com algumas poucas partículas “fundamentais” naquela época. Contudo, primeiramente com a descoberta dos mésons K, estes estudos revelaram que o mundo subatômico estava longe de ser compreendido.
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nO estudo destas partículas estranhas revelou peculiaridades interessantes. A elevada seção de choque de produção, da ordem de mili-barn (1\text{ mb} = 10^{-27}\text{ cm}^2), indicava fortemente que a produção destas partículas estranhas seria realizada através de interações fortes. Observou-se que estas partículas eram sempre produzidas aos pares. Por exemplo, um méson K em associação com um sigma ou um lambda (estes últimos são bárions), por exemplo, na reação:n
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\pi^- + p \rightarrow K^0 + \Lambda^0
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n\pi^+ + p \rightarrow K^+ + \Sigma^+
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n\pi^- + p \rightarrow K^+ + \pi^- + \Lambda^0

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nNote que, em todas elas há conservação de carga e número bariônico. Por outro lado, a reação:
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n\pi^- + p \rightarrow \pi^- + \pi^+ + \Lambda^0
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napesar de conservar a carga e número bariônico, não é observada.
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nEstas observações sugerem a existência de um outro número quântico a ser conservado, relacionado a estas partículas. Havendo conservação deste número quântico, algumas dessas partículas receberiam valor positivo, enquanto outras, negativo. Por exemplo, a partícula \Lambda^0 sempre era produzida em associação a um K^0 ou K^+, mas nunca em associação a um K^-. As mesmas observações do \Lambda^0 eram feitas para o \Sigma. Por conta disso, define-se um novo novo número quântico, a estranheza, da seguinte forma:n
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S=1\text{ para }K^0 \text{ e } K^+
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nS=-1\text{ para }K^-,\Lambda^0, \Sigma^+, \Sigma^0 \text{ e }\Sigma^-

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nSimilarmente, percebeu-se que reações envolvendo partículas estranhas, produziam outras partículas estranhas, tais como:n
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K^- + p \rightarrow \Xi^- + K^+
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n\bar{K}^0 + p \rightarrow \Xi^0 + K^+
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nde onde se conclui, facilmente que:
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S=-2\text{ para } \Xi^0 \text{ e } \Xi^-
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nNote que, conforme discutimos anteriormente, a atribuição deste novo número quântico, a estranheza, permitiu que Gell-Mann pudesse propor o Eightfold Way que deu origem ao modelo de quarks.
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nPor outro lado, se a estranheza é conservada em interações fortes, percebeu-se que, por conta dessas partículas serem instáveis, alguns de seus decaimentos não conservam este número quântico. Por exemplo, os decaimentos:
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\Lambda^0 \rightarrow \pi^- + p
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nK^0 \rightarrow \pi^- + \pi^+
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n\Sigma^+ \rightarrow n + p

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ndentre outros, não conservam o número quântico de estranheza. A investigação destes decaimentos sugeriram que, por conta da elevada vida média desses estados, por exemplo \tau_{\Lambda^0} \sim 10^{-10}\text{ s}, “infinitamente” maior que os tempos envolvidos em processos fortes, o processo de decaimento destas partículas estranhas ocorreria (também) por interações fracas. Neste caso, processos envolvendo interações fracas não conservam estranheza (na verdade, não conservam sabor dos quarks, veremos isso mais adiante).
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nCom a descoberta de outros quarks mais pesados, charm, bottom e top, outros números quânticos similares a estranheza, para estes quarks, se fizeram necessários para descrever processos de interação forte.n
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nNos primórdios do “Eighhtfold Way” Gell-Mann utilizou um outro número quântico, a hipercarga, que seria a soma da estranheza e número bariônico. Ele fez isto como uma forma de organizar melhor os dados disponíveis para as partículas e sem dúvida o auxiliou na organização dos hádrons nos grupos que ele propôs. Hoje em dia, este número quântico está em desuso. n
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Isospin

nPrótons e nêutrons possuem quase a mesma massa. Além disso, evidências experimentais sugerem que a interação forte não depende da carga elétrica. Na figura 1 é mostrado o esquema de níveis de energia para o 23Na e 23Mg. A diferença entre esses núcleos é de um próton e um nêutron, ou seja, há apenas a troca de um próton por um nêutron entre eles. Nesses níveis de energia já foram descontados as componentes devido à interação coulombiana e diferença de massa entre os núcleos, ou seja, o esquema apresentado reflete a interação nuclear forte entre os nucleons. Pode-se notar uma compatibilidade muito grande entre os níveis de energia. Essa semelhança também está presente em outras partículas. Por exemplo, o píon apresenta 3 estados de carga (π0, π+ e π), quase todos com a mesma massa e interação forte independente da carga elétrica. Podemos encontrar vários outros exemplos similares, como o dubleto do K0 e K+ e o tripleto do sigma (\Sigma^+,\Sigma^0,\Sigma^-).nn n
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Figura 1 – Níveis de energia do 23Na e 23Mg (Fundamentals of Nuclear Physics, N. A. Jelley).
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nnHeisenberg, em 1932, sugeriu que, do ponto de vista da interação forte, poderíamos tratar essas partículas como sendo estados quânticos diferentes de uma mesma partícula (não que sejam de fato). No caso do próton e nêutron, seria uma partícula (chamada nucleon) com dois estados quânticos. No caso dos píons, teríamos uma partícula, píon, em três estados quânticos distintos. Para representar essa propriedade, introduzimos o conceito de isospin, ou spin de carga. Veremos, mais adiante, que estes estados possuem descrição muito similar a estados de projeções distintas de mesmo momento angular.nnNo caso dos nucleons, temos um sistema de dois níveis, I=1/2, sendo escolhido que I_z = +1/2 para o próton e I_z = -1/2 para nêutrons (alguns livros usam notação invertida, cuidado!). No caso do píon, I=1, que possui três estados para a projeção no eixo-z, I_z = -1,0,1, atribuído a cada um dos píons observados.
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nAssim como a estranheza, o isospin não é necessariamente conservado em decaimentos que envolvem interações fracas ou eletromagnéticas. Por exemplo, o decaimento:n
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n\Lambda^0 (I_z=0) \rightarrow \pi^- (I_z=-1) + p(I_z=1/2)
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nNão conserva esta grandeza. Um outro exemplo, o decaimento semileptônico (aqueles nos quais aparecem léptons no estado final):n
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\pi^+ (I_z=1) \rightarrow \pi^0 (I_z=0) + e^+ + \nu_e
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nTem a terceira componente do isospin alterada de uma unidade. Em seguida vamos estudar que estas leis de conservação surgem da existência de simetrias nos processos envolvidos e que, violações nessas simetrias fazem com que grandezas deixem de ser conservadas. O estudo dessas simetrias é muito importante em física de partículas pois permite entender características das interações fundamentais. Vamos voltar nesse assunto logo em seguida, quando discutiremos leis de conservação sob o ponto de vista de simetrias.n
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Leitura recomendada

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  1. No capítulo 1 do “Introduction to Elementary Particles”, David Griffths, durante a discussão histórica, o autor discute bastante os números quânticos acima e as leis de conservação.n
  2. Capítulo 9 do livro “Introduction to nuclear and particle physics”, Ashok Das e Thomas Ferbel.n
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Exercícios

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  1. Examine os seguintes processos abaixo e discuta, para cada um, se eles são possíveis ou impossíveis. Se forem impossíveis, cite qual lei de conservação está sendo violada.
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  2. Qual o número bariônico e isospin dos seguintes estados de quarks? u\bar s, c\bar d, uud, ddc, s\bar s. Consulte o Particle Data Group (http://pdg.lbl.gov). Estes estados correspondem a partículas conhecidas?n
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