Prelúdio a diagramas de Feynman – teoria da perturbação dependente do tempo

nnVersão para impressãon nn Notas de aula são propriedade intelectual. Sendo assim, qualquer uso, no todo ou em parte, deve ter a origem referenciada apropriadamente, após autorização de seu autor.n nn O texto a seguir corresponde à anotações parciais de aula. Não é um texto em forma final, completo e totalmente revisado. Nesse caso, esse texto não tem como objetivo substituir livros sobre o assunto. Assim, esse texto deve ser entendido apenas como um guia de estudo para o aluno acompanhar a disciplina. n
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nDe alguma forma nós gostaríamos de entender as interações entre as partículas fundamentais e como estas interações resultam na natureza que observamos. Como dito anteriormente, isso é feito através do estudo dos decaimentos dessas partículas ou de reações envolvendo as mesmas. Por exemplo, o entendimento da estrutura de um próton pode ser feito através de reações conhecidas como espalhamento elástico profundo, onde um elétron de alta energia incide sobre um próton, ocorrendo interações eletromagnéticas entre este elétron e as partículas que constituem o próton. Algo do tipo: e + p \rightarrow X + Y + Z+ .... O estudo das partículas que emergem desta reação permite inferir propriedades do próton, quem são seus constituintes e como seus constituintes interagem entre si. Da mesma forma, o decaimento de uma partícula, como já fizemos no caso do káon, permite explorar significativamente as interações fundamentais que geram este decaimento. O que há de comum nestes processos todos é que o sistema, durante um intervalo de tempo finito, interage com algum campo de modo a alterar sua configuração para outro estado qualquer. O cálculo de taxas de decaimento, probabilidades e seções de choque é decorrente, então, do entendimento de como a interação de um estado com este campo pode altera-lo a evoluir de outra maneira. Há diversas formas de se explorar este problema. Podemos utilizar teorias de espalhamento, cálculos complexos de evoluções temporais ou, como veremos aqui, teoria de perturbação. Este último, requer que, de alguma maneira, como o próprio nome sugere, esta interação com um campo externo seja pequena, de modo que o efeito prático seja apenas o de perturbar o estado inicial do sistema. O resultado da implementação de métodos perturbativos quânticos em física de partículas é o que conhecemos hoje como diagramas de Feynman, que leva o nome de seu idealizador e, como veremos, consiste em um conjunto de regras gráficas para fazer cálculos de seções de choque e taxas de decaimentos através de teoria de perturbação. Apesar de ser um método prático bastante poderoso e simples, que desenvolve uma enorme intuição sobre as interações que ocorrem em um determinado processo físico, ainda há grupos de cientistas que renegam o seu uso. Contudo, se você for seguir a carreira de física de partículas será praticamente impossível nunca desenhar um desses diagramas em uma conversa no café com um colega.n
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nSeja um sistema quântico definido por um estado \psi_0, superposição de auto-estados do Hamiltoniano H_0. Se, em determinado momento, um potencial V=V(t), dependente do tempo, é aplicado ao sistema, o Hamiltoniano, durante o tempo em que esse potencial atua, é modificado e vale:nn

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H = H_0 +V

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nne assim, o estado \psi_0 deixa de ter uma evolução temporal trivial. Quando esse potencial deixa de agir, a configuração do estado evoluído pode ser tal que ele se encontre em um estado \psi_1, diferente do inicial. Um exemplo de um potencial desse tipo pode ser uma perturbação devido à radiação eletromagnética ou uma perturbação de natureza fraca, responsável pelo decaimento β de um núcleo. Esperamos que esse potencial seja de natureza perturbativa e que atue em um intervalo finito de tempo. Desse modo, podemos usar teoria de perturbações dependentes do tempo para determinar como é a evolução do sistema.nn nPara descrever esse problema, vamos iniciar supondo o conhecimento do Hamiltoniano não perturbado, H_0 e todos os seus auto-estados |e_i^0\rangle, de modo que:nn

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H_0|e_i^0\rangle = E_i|e_i^0\rangle

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 nnPodemos escrever o estado inicial do sistema como sendo a superposição de todos possíveis auto-estados de H_0, já que esses formam uma base ortonormal. Assim, em t=t_0 o estado quântico pode ser descrito como:nn

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|\psi_0\rangle = \sum_{i}{a_i|e_i^0\rangle}

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nnSendo esse estado normalizado devemos respeitar:nn

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\langle \psi_0 | \psi_0\rangle = 1 \rightarrow \sum_{i}{a_i^* a_i} = 1

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nnDurante a ação do potencial perturbativo, o estado evolui. Essa evolução pode ser obtida resolvendo a Equação de Schrödinger dependente do tempo:nn

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(H_0 + V)|\psi_t\rangle = i\frac{\partial}{\partial t} |\psi_t\rangle

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nnrespeitando a condição de contorno data por (3) no instante inicial. Da mesma forma que escrevemos a condição inicial em (3), podemos escrever a evolução temporal desse estado, de modo a:nn

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|\psi_t\rangle = \sum_{i}{a_i(t)|e_i^t\rangle}

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nnSubstituindo (6) em (5) temos:nn

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\sum_{i}{a_i(t)H_0|e_i^t\rangle}+\sum_{i}{a_i(t)V|e_i^t\rangle} = i\left( \sum_{i}{\frac{\partial a_i(t)}{\partial t}|e_i^t\rangle} + \sum_{i}{a_i(t)\frac{\partial}{\partial t}|e_i^t\rangle}   \right)

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nnO primeiro termo do lado esquerdo de (7) e o segundo termo do lado direito corresponde à evolução temporal do estado não perturbado, cancelando um ao outro. Assim, podemos reduzir (7) à:nn

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\sum_{i}{a_i(t)V|e_i^t\rangle} = i \sum_{i}{\frac{\partial a_i(t)}{\partial t}|e_i^t\rangle}

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nnPodemos fazer o produto interno de (8) com um estado |e_j^t\rangle, sabendo que \langle e_j^t|e_i^t\rangle = \delta_{ij}, temos:nnn

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i\hbar  \frac{\partial}{\partial t}a_j(t) = \sum_{i}{a_i(t)\langle e_j^t|V|e_i^t\rangle}

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nnComo:nn

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|e_k^t\rangle = e^{-iE_kt}|e_k^0\rangle

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nntemos que:nn

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i \frac{\partial}{\partial t}a_j(t) = \sum_{i}{a_i(t)\langle e_j^0|V|e_i^0\rangle e^{i\omega_{ij}t}}

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nnSendo:nn

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\omega_{ij} = E_j-E_i

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nnA equação (11) pode ser escrita em termos de um sistema de equações acopladas. Em termos matriciais, temos que resolver a seguinte equação:nn

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i \left(\begin{array}{l} \dot{a_1}(t) \\ \dot{a_2}(t) \\ ... \\ \dot{a_n}(t) \end{array}\right) = \left(\begin{array}{c c c c} V_{11} & V_{12}e^{i\omega_{12}t} & ... & V_{1n}e^{i\omega_{1n}t} \\ V_{21}e^{i\omega_{21}t} & V_{22} & ... & V_{2n}e^{i\omega_{2n}t} \\ ... & ... & ... & ... \\ V_{n1}e^{i\omega_{n1}t} & V_{n2}e^{i\omega_{n2}t} & ... & V_{nn} \end{array}\right)    \left(\begin{array}{l} a_1(t) \\ a_2(t) \\ ... \\ a_n(t) \end{array}\right)

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nnCom:nn

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V_{ij} = \langle e_j^0|V|e_i^0\rangle

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nnResolvendo o sistema de equações em (13), conhecendo-se as condições iniciais, pode-se calcular a evolução temporal do estado e, consequentemente, a probabilidade de encontrá-lo em uma configuração específica em qualquer instante de tempo.n nnO inconveniente de (13) surge do fato de as equações serem todas acopladas. Muitas vezes o potencial V pode ser pequeno e, consequentemente, tratado como uma perturbação. Nesse caso, teoria de perturbação pode ser utilizada para desacoplar as várias equações, tornando a resolução do sistema mais simples.n nnPara resolver perturbativamente a eq. (13) podemos expandir as constantes a_i(t) de modo que:nn

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a_i(t) = a_i^{(0)}+a_i^{(1)}+a_i^{(2)}+a_i^{(3)}+...

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nne substituir em (13). Cada termo desta expansão corresponde a correção de uma determinada ordem, cujo o primeiro obtivemos a solução anteriormente. A substituição desta expansão continua gerando um sistema de equações acopladas que pode ser resolvida com bastante trabalho e foi a forma utilizada por Dirac para desenvolver a teoria de perturbação dependente do tempo, em 1927.n
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nUma forma alternativa, mais simples de compreender, envolve repensar um pouco o que fizemos até agora. Vamos trabalhar com a interpretação de Dirac para evolução de estados. Esta é uma interpretação intermediária entre a de Schrödinger, na qual os operadores são estáticos no tempo e o estado evolui no tempo e a de Heinsemberg, onde os estados são estáticos e os operadores evoluem no tempo. Nesta situação, tanto estados como operadores evoluem no tempo. Neste caso, definimos um estado, em um instante qualquer de tempo, nesta interpretação (subscrito I) em relação à interpretação de Schrödinger (subscrito S) como:nn

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|\psi(t)\rangle_I = e^{i\hat H_0t}|\psi(t)\rangle_S

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nne definimos um operador qualquer como sendo:nn

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\hat o_I = e^{i\hat H_0t}\hat o_S e^{-i\hat H_0t}

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nnNote que valores esperados em ambas interpretação dão o mesmo resultado, ou seja \langle \psi(t)|\hat o_S|\psi(t)\rangle_S = \langle \psi(t)|\hat o_I|\psi(t)\rangle_I. Vamos agora definir como o estado, nesta interpretação, evolui, se sujeito à ação de uma hamiltoniana como a descrita em (1). Neste caso:nn

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i\frac{\partial}{\partial t} |\psi(t)\rangle_I = i\frac{\partial}{\partial t}\left( e^{i\hat H_0t}|\psi(t)\rangle_S \right)

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i\frac{\partial}{\partial t} |\psi(t)\rangle_I = i\left( i\hat H_0 e^{i\hat H_0t}|\psi(t)\rangle_S + e^{i\hat H_0t} \frac{\partial}{\partial t}|\psi(t)\rangle_S  \right)

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nnno segundo termo da equação acima, a derivada no tempo do estado na interpretação de Schrödinger, pode ser substituído por (\hat H_0+\hat V)|\psi(t)\rangle_S, de modo que:nn

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i\frac{\partial}{\partial t} |\psi(t)\rangle_I = -H_0e^{i\hat H_0t}|\psi(t)\rangle_S + e^{i\hat H_0t}(\hat H_0+\hat V)|\psi(t)\rangle_S = e^{i\hat H_0t}V|\psi(t)\rangle_S

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nnInserindo um termo e^{-iH_0t}e^{iH_0t} entre o potencial e o estado, temos:nn

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i\frac{\partial}{\partial t} |\psi(t)\rangle_I =e^{i\hat H_0t}\hat Ve^{-i\hat H_0t}e^{iH_0t}|\psi(t)\rangle_S

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i\frac{\partial}{\partial t} |\psi(t)\rangle_I =\hat  V_I(t)|\psi(t)\rangle_I

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nnDe (37) podemos ver que a evolução temporal do estado, na interpretação de Dirac, se dá por conta do potencial perturbador. Ao invés de descrever o estado |\psi\rangle em termos de uma base de autoestados de H_0 vamos escrever que a evolução temporal do estado é resultado da ação de um operador (operador de evolução temporal) no estado inicial. Assim, definimos, na interpretação de Dirac:nn

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|\psi(t)\rangle_I = \hat U_I(t,t_0) |\psi(t_0)\rangle_I

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nnpor simplicidade vamos omitir t_0, que pode ser zero. Substituindo (38) em (37):nn

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i\frac{\partial}{\partial t} (\hat U_I(t) |\psi\rangle_I) =\hat V_I(t)\hat U_I(t) |\psi\rangle_I

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nnNota-se que o operador de evolução temporal deve satisfazer:nnn

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i\frac{\partial}{\partial t} \hat U_I(t)  = V_I(t)\hat U_I(t)

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nnIntegrando (40), tomando que \hat U_I(t=0) = \hat 1, chegamos em:nn

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\hat U_I(t) = \hat 1 - i \int_{0}^{t}{\hat V_I(t

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nnSe eu substituir (41) nela mesmo, recursivamente, obtenho que:nn

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\hat U_I(t) = \hat 1 - i \int_{0}^{t}{\hat V_I(t

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nn

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\hat U_I(t) = \hat 1 - i \int_{0}^{t}{\hat V_I(t

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nnSubstituindo indefinidamente, sempre lembrando de trocar o índice de integração, chegamos a uma expressão geral para o operador de evolução temporal, na forma:nn

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\hat U_I(t) = \hat 1 - i \int_{0}^{t}{\hat V_I(t

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nnounn

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\hat U_I(t) = \hat 1 - i \int_{0}^{t}{\hat V_I(t

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nnque segue indefinidamente. Esta série é conhecida como Série de Dyson e corresponde a um método para calcular o operador de evolução temporal em qualquer ordem. Se o sistema inicialmente encontra-se no |e_i\rangle, como na equação (3), onde todos coeficientes da expansão, exceto um deles, são nulos. Em um instante de tempo qualquer, o estado do sistema é então descrito como:nn

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|\psi(t)\rangle_I = \hat U_I(t) |e_i\rangle = \sum_j{|e_j\rangle \underbrace{\langle e_j| \hat U_I(t) |e_i\rangle}_{a_j(t)}}

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nnisto é, podemos dizer que a_j(t) = \langle e_j| \hat U_I(t) |e_i\rangle. Comparando esta expressão com (15) e utilizando a expansão para o operador de evolução temporal, em (44), lembrando que \sum_n{|e_n\rangle \langle e_n|}=1, é fácil ver que os termos a_j^{(n)} podem ser dados por:nn

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a_j^{(0)}(t) = \delta_{ji}

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nn

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a_j^{(1)}(t) = - i \int_{0}^{t}{\langle e_j|\hat V_I(t

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nn

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a_j^{(2)}(t) = -i^2 \int_{0}^{t}{\int_{0}^{t

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nn

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a_j^{(3)}(t) = -i^3 \int_{0}^{t}{\int_{0}^{t

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nnE assim por diante. Vale lembrar que \hat V_I(t) é dado por:nn

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\hat V_I(t) = e^{iH_0t}\hat V(t)e^{-iH_0t}

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nnCada um desses termos na expansão pode ser entendido como uma interação com o potencial V. O termo de ordem 0 indica que o sistema não sofre alteração e, por conta disso permanece inalterado. O termo de ordem 1 indica que ha uma única interação com o potencial. No termo de ordem 2, há uma interação com o potencial, o sistema evolui um pouco mais e há uma segunda interação com o potencial e assim sucessivamente. Estes termos podem ser representados visualmente na figura 1.n
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nFigura 1 – Representação dos termos da expansão perturbativa.n
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nEsta ideia de que cada termo da série perturbativa equivale a uma interação com o potencial perturbador deu origem aos diagramas de Feynman, como veremos a seguir.n
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Leitura recomendada

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  1. Capítulo 3 do livro “Quarks e Leptons: an introductory course in modern particle physics” Francis Halzen e Alan D. Martinn
  2. Capítulo 5 do livro “Modern Quantum Mechanics”, J. J. Sakurain
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Exercícios

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    nn
  1. Sendo um potencial do tipo V=V(t)=V_0e^{-i E t} mostre, no limite de tempo tendendo a infinito, que, em primeira ordem de teoria de pertubações dependente do tempo, ndW_{i\rightarrow j} = \frac{P_{i\rightarrow j}}{t} = 2\pi|\langle e_j^0|V_0|e_i^0\rangle|^2 \delta((E_j-E_i)-E)
    n
    nonde P_{i\rightarrow j} é a probabilidade de encontrar um estado j, sabendo que o sistema encontra-se, no tempo inicial, no estado i. Esta expressão é conhecida como Regra de Ouro de Fermi.n
  2. Calcule, para o mesmo potencial do exercício anterior, dW para o termo de segunda ordem. Discuta o resultado.n
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